Cara gente cis,

HybrydA
3 min readJan 4, 2021

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[alerta de gatilho — transfobia]

[esse texto é escrito por uma pessoa cis para outras pessoas cis]

Cara gente cis,

O termo “cisgenero” é uma ferramenta para falar sobre um certo lugar no mundo de pessoas que não são trans. O termo “cisgeneridade” serve para nomear um sistema binário e rígido (e colonial) que inviabiliza as existências trans. Não é uma essência, nem indica que pessoas cis e trans não podem ter experiências em comum. Também não querem dizer que pessoas cis estão confortáveis com os papéis de gênero impostos sobre elas ou com outras opressões que as atingem.

Cara gente cis,

Quantas pessoas trans você se deu o trabalho de ouvir, conviver, conhecer e amar antes de destilar ódio sobre suas existências?

Cara gente cis,

Ter uma relação complicada/dolorosa/violenta com seu corpo, inclusive com as partes “marcadoras de gênero” (genitais, peitos, curvas, pêlos etc) não nos torna trans. Contudo, o fato de você viver essas coisas e mesmo assim não ser trans não deslegitima a narrativa trans. Pessoas têm processos diferentes e precisamos aprender a ouvir.

Cara gente cis,

Não adianta dizer que “mulheres trans são mulheres”, que “detesta rad”, e não ter posturas antitransfobia na sua vida. Você leva três mil anos pra conseguir acertar um pronome e diz sempre que é porque “está aprendendo”? Você se manifesta quando identifica transfobia na fala de alguém próximo? Fica atenta se pessoas trans estão acessando educação e saúde? As contrata ou indica para algum trabalho? As considera bffs? Namora?

Cara gente cis,

A branquitude, a colonialidade e o elitismo podem estar presentes em muitos espaços. Já pensou que a sua crítica ao “””’transativismo”””””” tem a ver com o fato de você só estar acessando o discurso de pessoas trans brancas e de classe média e alta? Onde estão as suas referências de pessoas trans negras, indígenas, de quebrada?

Cara gente cis,

Você já reparou que as categorias de orientação sexual se baseiam em uma visão de mundo cisgênera (e branca)? Dentro dessa visão, o corpo trans não tem lugar, portanto, pessoas trans são impedidas de terem uma identidade afetiva-sexual, assim como encontrar parceires. Lésbicas e gays cis dizem que a pessoa homossexual que se relaciona com uma pessoa trans do mesmo gênero que o seu, na verdade, é bi. Pessoas bi e cis, por sua vez, podem até se relacionar com pessoas trans, mas sempre escolhem pessoas cis para ter relações mais profundas e a longo prazo. Pessoas cishetero não precisa nem dizer, né? Muito distantes de considerar ume parceire trans. É um ciclo vicioso que só começa a se dissolver a partir do momento que começamos a buscar outras formas de pensar a sexualidade e o afeto.

Cara gente cis,

Todo feminismo é “crítico de gênero", se não fosse, qual seria o objetivo? (mas lembre que tem quem discuta gênero sem necessariamente ser feminista). Pessoas trans e pessoas que pensam gênero incluindo pessoas trans e intersexo não são todas participantes de um culto queer/butlerista. Existem inúmeras respostas à opressão sobre as corpas, que nunca se separam de raça-etnia, classe e território. Esse não é um debate polarizado (radical x queer ou radical x liberal) e ele deveria buscar ativamente a escura de perspectivas negras, indígenas, trans, intersexo, pcd, gordes etc

Cara gente cis,

Conhecer uma pessoa trans que “fez algo errado" não compromete todo o grupo social. Isso é consciência social básica. A questão não é individual, é estrutural ~ aprendemos isso continuamente em debates sobre raça-etnia, classe, deficiência etc

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HybrydA

escritos contra-coloniais sobre gênero, afeto, sexualidade e corpo. inspirações ancestrais e feministas/ indígena diaspórica, estudante de psicologia, poliversa