“O corpo não importa” ou “vamos buscar outras narrativas para o corpo?”

HybrydA
2 min readJan 18, 2021

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Esse texto será uma reflexão sobre o lugar do corpo dentro de debates sobre gênero e sexualidade, dando principal enfoque à importância que a pluralidade das narrativas sobre o corpo possui e como isso é muito diferente de dizer que o corpo não importa.

“A opressão se dá pelo sexo biológico, não pelo gênero. Estão apagando a história das mulheres”

Antes tudo, ressalto que a relação com o corpo não é universal. Existem muitas formas de viver a relação sexo-gênero para além do patriarcado e da colonialidade. Ao afirmar uma história universal da mulher, você está produzindo epistemicídio (apagamento de uma história). Recolha o vício colonial de assumir que todos partem do mesmo lugar e aprenda a ouvir a diferença.

Agora sobre os debates que circulam ao redor de um corpo “mulher” estruturalmente violentado:

Com muita frequência, quando se fala das opressões contra a mulher, a narrativa tende a ser contada a partir de uma polarização: mulher cis hetero x homem cis hetero. É preciso lembrar que também é um sintoma do patriarcado e da colonialidade silenciar outras expressões que não se adequem ao binário de gênero/sexualidade — o extermínio físico e simbólico de lésbicas, bissexuais, gays, pessoas intersexo e trans acontece de forma concomitante à essa história da mulher cis e hetero, mesmo que não seja contado. Quando buscamos narrativas outras do corpo-gênero, estamos somando histórias que precisam ser ouvidas, naquela pegada de que não existe uma “história única”. Assim como feministas brancas cis e hetero passam muito tempo recolhendo e analisando dados sobre a história de seu corpo, outras pessoas possuem esse direito (e necessidade).

É racista e produz apagamento insistir em contar uma história binária dos corpos em que apenas existe a mulher-com vulva-hetero-oprimida x homem-com pênis-hetero-opressor. Se existe interesse em romper com o silenciamento patriarcal e colonial, histórias intersexo, trans, lésbicas, bissexuais precisam ser contadas. É sobre pluralidade, não sobreposição.

“Agora não se pode mais falar da experiência com o corpo, só com o gênero”

Quando leio essa frase tenho a sensação de que estão insinuando que apenas pessoas cis têm corpo. Não estamos todes buscando formas de narrar a sua relação com o corpo? A questão é que falar apenas em corpo não basta. Possuímos um corpo físico e temos uma elaboração subjetiva ao longo da vida sobre o que ele significa. Essa é uma elaboração bem complexa de explicar e, sinceramente, não sei se existe como. Seria como tentar extrair uma fórmula do incalculável. O que temos são palavras e tentativas de expressão através de símbolos.

Todes estamos narrando nossa vivência com o corpo e com o que elaboramos a partir dele. O corpo trans e intersexo é tão real quanto um corpo cis, contudo, apresentam narrativas diferentes (mas não necessariamente opostas). A relação com a sociedade, com o Estado, com as relações se alteram a partir da forma como a pessoas habita esse corpo (gênero). Portanto, que pessoas cis falem de seu corpo, mas que transmasculinos, não-bináries, travestis etc também falem.

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HybrydA

escritos contra-coloniais sobre gênero, afeto, sexualidade e corpo. inspirações ancestrais e feministas/ indígena diaspórica, estudante de psicologia, poliversa